quarta-feira, 11 de abril de 2012

O menino que conhecia a morte

Quando acordou teve a certeza que seu tempo era breve. Não se surpreendeu. Pode ser que a sonolência da manhã o tenha dopado ou ele mesmo não acreditasse em sua visão.

Antes de sentar-se a mesa do café da manhã, lavou o rosto e recobrando o sentido de realidade tentou classificar suas premonições como devaneio ou sonho. Olhou-se no espelho e percebeu que sua aparência pela manhã era ainda mais jovial. A possibilidade de estar certo quanto à morte iminente lhe deixava confuso, feito um misto de poder e fragilidade.


 Fez o desjejum junto à família. O pai estava disperso lendo as notícias do Jornal da Pátria. A mãe não sentava a mesa, tomava seu café enquanto cuidava de um ou outro afazer doméstico.

- Mãe! É possível uma pessoa saber o dia em que vai morrer?  - Ele perguntou enquanto girava no copo um resto de suco de laranja. Seu pai, pela primeira vez, tirou a atenção do jornal e resmungou algo como: - A morte não é para os jovens! E retornou as notícias de um jornal publicado ha dois dias.

Carinhosamente, a mãe parou de trabalhar e pousou as mãos sobre o ombro do filho. – Minha mãe dizia que tinha uma oração – começou a explicar – quem reza fica amigo da Virgem e ela releva o dia da morte. O pai levantou-se. Deixou violentamente o jornal sobre a mesa. Saiu da cozinha reclamando sobre as crenças regionais e resmungando algo sobre a força da ciência.

O menino ficava entre o ceticismo do pai e a fé sentimental da mãe. Terminou o café sem respostas. Apático levantou e pegou sua mochila para ir até a escola. O que ele desejava era a certeza daquele pressentimento. Talvez para aproveitar melhor o dia ou despedir-se dos que amava.

A caminho, o garoto passou em frente uma banca de jornal. Teve uma luz. Pensou que aquele jornaleiro tinha acesso a todo tipo de informação. Jornais, revistas e livros enchiam suas prateleiras. Ele tinha também periódicos especializados em diversos assuntos, se alguém poderia lhe responder, talvez fosse Horácio, o jornaleiro.

- Sr. Horácio!  É possível uma pessoa saber o dia em que vai morrer? O jornaleiro holandês não olhou para baixo. Continuou organizando as coisas na banca. O menino só teve a confirmação que Horácio, o jornaleiro ouviu a pergunta porque após alguns instantes ele falava consigo mesmo: - Ah! A morte! Ela chega sem esperarmos, deixa noite onde o astro era outro...

O menino teria ficado absorto até o fim do dia, não fosse uma nova ideia que lhe surgiu. Lembrou-se de sua tia Veronice. A tia jurava ter contato com os mortos e até chegou abrir um negócio com isso. Após a aula ele não retornou para o almoço em casa. Foi até a periferia da cidade onde morava a tia.

O lugar onde a tia Veronice atendia não parecia de forma alguma com um barraco de favela. Era uma casa bem jeitosa, repleta de móveis e bibelôs. Suas clientes não eram as moradoras da região e sim uma porção de granfinas que estacionavam sua Mercedes em ruas de lama. Ele entrou na casa. Observou cada senhora na sala de espera, entretidas com revistas de moda, perdeu-se no tempo e nas observações e só voltou ao tempo corrente porque a recepcionista lhe perguntou o que desejava. Sua tia lhe fez esperar até que atendesse a última dondoca. Com certeza ela não imaginava o motivo da conversa.

O menino entrou na sala que mais lembrava um ambiente árabe. Novamente perdeu-se nas imagens e foi a tia que lhe chamou a realidade: - Ei menino! Que notícia veio me trazer?  - Tia Veronice estava misturada nas cores da sala. Usava um vestido multicolorido, o cabelo preso com um coque e diversas bijuterias. O garoto voltou-se para a tia, observou sua face rechonchuda tentando buscar na memória a imagem da tia que não via há 7 anos.

- Tia, é possível uma pessoa saber o dia em que vai morrer? – Tia Veronice ajeitou-se na cadeira. Ficou em silêncio por alguns instantes, talvez pensando que a pergunta fosse alguma charada, mas por fim cedeu: - Menino eu não sei que tipo de pergunta é essa... Você veio falar com a pessoa errada, meus mortos falam do passado e não do futuro.

Sem respostas, o menino fazia o caminho de volta para casa, disperso caminhando a margem de uma avenida. Era noite e sua mente havia expulsado qualquer pensamento sobre bola, escola ou garotas. Havia espaço apenas para a dúvida da certeza da morte eminente. Um farol lhe iluminou e uma buzina soou forte...

Nesse instante uma bicicleta lhe cruzou o caminho, ele não teria dado a atenção se o Condutor não lhe tivesse chamado: - Ei rapagão! Aonde vai a essa hora? – O sujeito era estranho. Suas vestes pareciam de alguém trazido de um século que passou. Tinha um sorriso alegre, no entanto, um olhar profundo que abarcava todo o vazio do mundo.

- Moço! É possível uma pessoa saber o dia em que vai morrer? – O Condutor olhou por alguns instantes o garoto, olhou sem nenhuma surpresa ou repreensão.

- Quem pode determinar o que é possível menino? Você sabe quando será? Se souber... É possível! - O Condutor estancou diante do menino. Pela primeira vez alguém lhe falava olhando de frente. O menino sorriu e o Condutor retribuiu, fez um gesto com a cabeça convidando o garoto a montar na garupa e juntos seguiram estrada adentro.



IMAGEM: http://n.i.uol.com.br/noticia/2012/03/26/menino-empurra-bicicleta-enquanto-espera-por-transporte-em-estrada-nos-arredores-de-islamabad-no-paquistao-1332779396202_956x500.jpg

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Vai comentar?

Escreva algo construtivo, mostre que tem algo a contribuir!

Reclamações, dúvidas ou sugestões também são bem vindas...

Agradeço a colaboração