terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um segundo gole de tristeza

A semana passou monótona. Fiquei pensando porque espero tanto pelo final de semana já que costuma ser vazio. Minhas companhias continuam sendo somente as que cabem na minha mochila. São três da tarde e circulo pela casa observando uma seqüência de coisas que necessitam de conserto. Como de costume crio prazos para resolvê-las, prazos que nunca cumpro. Passando pela sala percebo que deixei na mesa de centro o meu exemplar de Diário de um Pároco de Aldeia. Havia esquecido que me comprometi em reler o denso livro do francês Georges Bernanos. Este livro deve ter ficado esquecido aí por algum tempo, já faz meses que terminei de ler... Faltou-me maturidade para absorver as profundas reflexões do padre de Bernanos.

Hoje poderia chover, me conforta a desculpa da chuva para não sair de casa. Vou até a cozinha para preparar café. Gosto de tomá-lo com leite na minha grande xícara. A minha poltrona, sem dúvida, me aguarda. O telefone toca e meu coração se anima, talvez seja um convite para algo inesperado. Engraçado, conhecer tanta gente e conviver com elas na correria da vida profissional não nos impede de sermos sozinhos. O telefone era engano e sou pego de surpresa pela auto-piedade, penso nos colegas que dizem que eu preciso sair mais, conhecer gente nova... Fico com as palavras do padre: “... bem sei que a compaixão de outrem pode ser alívio por um momento: absolutamente não a desprezo. Mas ela não sacia a sede, passa pela alma como por uma peneira. E quando nosso sofrimento tiver passado de uma piedade para outra, assim como de uma boca para outra, parece-me que não poderemos mais respeitá-lo, nem amá-lo...”.

O café esta pronto! Sento-me na poltrona para ler o Hobbit, mergulhar na Terra Media de Tolkien. Incrível como a narrativa é tão fantástica e tão humana. Uma fantasia recheada de verdade. Falta-me a coragem do pequeno Bilbo. Estou preso no meu Condado interior e não tenho coragem de enfrentar a Montanha Solitária. Estranho como minhas limitações ficam claras para mim. Quando leio me reconheço, me descubro... Mas ainda não sei como me conserto.

Termino o livro e o ócio me consome, assim como o ativismo. Tiram-me do que realmente sou, do que devo pensar... A Ordem dos Templários toca no meu aparelho de som, por alguns instante acreditei ficar sem pensar em nada. Levanto-me e vou até a estante, reorganizo os livros que não estavam bagunçados. Olho a capa da minha edição de Macunaíma. A grande cidade de São Paulo, vista de cima, sem os paulistanos, ou talvez como cantaria o Zeca: “tão solitário quanto um paulistano”. Na definição do meu próprio eu, penso em toda a humanidade, ainda com o livro de Mario de Andrade nas mãos, penso no que diria O Herói Sem Nenhum Caráter: “De toda essa embrulhada o pensamento dele sacou bem clarinha uma luz: Os homens é que eram máquinas e as máquinas é que eram homens”.

Dou risada de mim mesmo... Vai entender como acontecem essas conexões no meu pensamento! Fecho as janelas, o tempo correu, a lua veio e trouxe a escuridão. Penso no amor, em todos que dizem que existe, nos que afirmam que não... Não sei o paradigma que sigo. A música que soa agora é Marcianos Invadem a Terra, o Renato canta: “será que existe vida em Marte?”. Isso! É assim que penso quanto ao amor, este é o paradigma que sigo... Uma vontade de acreditar, mas nenhuma prova real, cientifica, experencial... Nunca fui amado! E essa conclusão é sem piedade, sem preconceitos, é somente uma constatação.

IMAGEM ORIGINAL:

Retrato do Dr. Gachet, obra de 1890 (Van Gogh)

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1e/Portrait_of_Dr._Gachet.jpg

3 comentários:

  1. Querido, você tem talento!
    Adorei ler-te, rs.

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  2. Adorei o jeito com o qual você retrata a monotomia de um dia e ao mesmo tempo a agitação constante da mente que nunca para.

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